Considerações sobre a morte
Somos humanos; seres infinitesimais, feitos de matéria evanescente, frágeis, complexos e imperfeitos. A aceitação dessa condição nos liberta e nos prepara para a evolução. O progresso, afinal, acontece a partir das imperfeições e da certeza da finitude e não apesar delas. Não somos o centro do universo, apenas estamos no centro de nossas próprias vidas, significando que somos responsáveis e autônomos para viver o instante presente, em todas as suas dimensões, como escolhermos.
As fatalidades são inerentes à nossa condição humana e não há reais surpresas nas perdas, já que, afinal, estamos todos de partida por aqui. Está tudo previsto nas circunstâncias potenciais da nossa existência. Cada consequência à espreita da sua causa. Um bom motivo para morrer é simplesmente estar vivo.
Que isso não nos tire vitalidade, mas ao contrário; que nos encha de entusiasmo para viver de forma plena, curiosa, leve, sem deixar pendências com aqueles que amamos. Imprima nos seus dias um senso de urgência no ganho da maturidade emocional. Um crescimento que nos põe vulneráveis e entregues aos amores, amigos, familiares. Que nos faz acumular cicatrizes como troféus de partidas bem jogadas. Que ressignifica as resoluções e projetos, reinspira a rotina, comanda as escolhas de curto e longo prazo para deixarmos o legado que queremos.
A dor dos que ficaram
A dor profunda e implacável é o preço do amor. A natureza é ambivalente e se você sofre uma grande perda é porque sentia-se em abundância no momento anterior. Nós nunca vamos nos recuperar, nunca vamos esquecer, nunca vai passar o luto da perda de um grande amor. Mas, seguimos em frente carregando a outra face da morte: a vida. É o contraste que torna a experiência tão valiosa.
Imortalidade
A vida está gravada no legado de quem partiu. Nas ondas de impacto que reverberaram das suas palavras, da sua presença, da sua obra; quem foi, é imortal. Reconhecer, proteger e perpetuar essa herança deve ser a missão de quem fica. Essa é a atitude que eterniza o aprendizado coletivo e torna nosso hiato insignificante de vida um episódio notório e marcante na história da humanidade. Imprimimos nas interações com as pessoas e com o meio a nossa confirmação existencial que, por sua vez, é carregada para sempre pelo coletivo.
Quando alguém que você ama, morre
Não há rupturas, mas transições, transformações e adaptações. A história compartilhada, impregnada nas memórias, nas emoções e na pele, a morte não pode apagar. Então, continuar a caminhada sem seu ente querido, é como andar por um jardim de flores invisíveis, que deixam um perfume sublime no ar, mas as quais não se pode tocar. A essência delicada lhe acompanha pela eternidade.
Nos reorganizamos para continuar a trilhar a nossa própria jornada. Começando por colocar um pé na frente do outro e imaginar que o solo é firme o suficiente para se equilibrar. Fixamos o olhar no horizonte e caminhamos devagar para dar tempo da serenidade nos alcançar.
Cada um, à sua maneira particular, encontra o ritmo e a qualidade da sua recuperação. Equilibramos a injeção do combustível a ser queimado ao reconhecer a nova realidade com a contrapartida de reafirmar a própria vida; alimentando o corpo, emoções e pensamentos com tudo aquilo que dá prazer. Devemos fazer a transição com coragem, mas carinho.
Depois do terremoto, o after shock
Ao vivenciar as ondas de lembranças que inadvertidamente invadem os pensamentos e coração a todo tempo, esperneando saudade e impotência, é fundamental concentrar-se no que realmente importa. Viver na constante nostalgia de tudo aquilo que não fizemos, dissemos e fomos é inútil e tóxico. O não dito, não feito, não vivido é o avesso do que deve ser lembrado. Tira o espaço para as homenagens que honram quem partiu e deprecia as lembranças que construímos juntos. Devemos cultivar a beleza do passado bem contado.
A formidável fraternidade
Também é preciso entregar-se ao fluxo da natureza que alicerça o indivíduo na proteção do grupo. Só ao encarar a escuridão nos olhos reconhecemos, verdadeiramente, a potência da luz. Essa última chega na forma de amor, compaixão e amizade da sua tribo e além dela. Então, é como se o próprio universo buscasse compensar o vazio que restou e somos carregados por uma enxurrada de energia que conforta e ilumina. A aurora invade a noite.
É fascinante a capacidade dos seres humanos de se reunirem para vencer a dor e a adversidade. Cada um reconhece-se no outro e desdobra-se para transmutar a atmosfera hostil em um lugar de segurança, afeto e preservação. Os amigos e familiares, afinal, são o ímpeto de vida que preenche os abismos e silêncios da perda e suaviza as despedidas. Eles exercem a característica mais nobre do ser humano, a fraternidade, com alegria e dedicação.